Wednesday, August 30, 2006
Viagem


















Aparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar...
(Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos).

Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura...
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar."





Miguel Torga
1962
 
posted by Luis Almeida at 9:55 pm | Permalink | 0 comments
Monday, August 28, 2006
A língua é o exílio do que sonhas























O imaginário
tem o rosto feminino,
do mar
a ilha é a sua voz
que explode.
Tu és o irreal
que paira sobre os outros
as coisas.
A força da ausência
O que sonhamos e
nos foge entre
dedos: a areia.
Tu és a réplica
do oculto
a ilha a beleza
cruel o pleno
nas dores do vazio.




Virgílio de Lemos
(Ilha de Moçambique, 1952)
 
posted by Luis Almeida at 11:33 pm | Permalink | 0 comments
Sunday, August 27, 2006
Lago





















Quando tua libélula forma
esvoaça sobre meu corpo
um lago vítreo rebenta
em círculos argênteos.
As margens se fazem distantes
e flutuo vitória-régia
na superfície do desejo maduro.
A vida, surpresa aquática,
me arrasta em cheiros
nas ondas negras dos teus cabelos.
Enfim, sem as amarras da razão,
aprendo a nadar
nas profundezas do teu riso
como uma estrela-do-mar.



Jurema Bareto de Souza
 
posted by Luis Almeida at 10:31 pm | Permalink | 0 comments
Horizontes




















A vida é malha grossa em implicações – finíssima aos respingos.
Os nossos actos levam a factos, feitos e efeitos, na passagem gratuita da ida sem volta, em caminhos que viram abismos tão logo passamos.

Planos que se renovam, enganos - em miradas às doces verdades.
Recordações, sonhos e pesadelos, de um tempo que demora a passar no desabar das folhas do calendário.
Relógio que bate e que conta, do nunca desconto das horas passadas.

Passos firmes e fracos, visão cristalina, não nitidez.
A mão do fim estendida ao começo, num jogo de apreço terno e eterno, para então, depois, se perder.

Choros e risos que não precisamos buscar. Sentenças infindáveis dos horizontes sobrepostos.



Arnaldo Massari
 
posted by Luis Almeida at 10:17 pm | Permalink | 0 comments
Tuesday, August 22, 2006
As Ilhas Afortunadas



















Que voz vem no som das ondas
que não é a voz do mar?
É a voz de alguém que nos fala,
mas que, se escutamos, cala,
por ter havido escutar.

E só se, meio dormindo,
sem saber de ouvir ouvimos,
que ela nos diz a esperança
a que, como uma criança
dormente, a dormir sorrimos.

São ilhas afortunadas,
são terras sem ter lugar,
onde o Rei mora esperando.
Mas, se vamos despertando,
cala a voz, e há só o mar.



Fernando Pessoa
 
posted by Luis Almeida at 12:38 am | Permalink | 0 comments